*Por Ana Silvia Alves Borgo
A pandemia deflagrada em março de 2020 impôs para muitos o trabalho em home office. Segundo pesquisa Datafolha, encomendada pelo C6 Bank, em 2020, 52% dos trabalhadores das classes A e B adotaram o trabalho em home office. Já dos que estão caracterizados como classe C, apenas 26% adotaram a modalidade de trabalho a distância.
Ao desempenharem o trabalho convencional em home office os trabalhadores viram as fronteiras físicas entre o trabalho e o lar deixarem de existir, exigindo adequações do espaço físico, das relações familiares e profissionais, e, principalmente, das emoções provocadas pelas mudanças, potencializadas por um cenário de incertezas e inseguranças, o que refletiu na saúde mental de muitos trabalhadores. Atualmente, para muitas organizações, avaliar esta modalidade de trabalho tem sido a pauta de reuniões e o objetivo de pesquisas junto aos seus colaboradores.
No Brasil, a pesquisa realizada em março pela WorldwildeERC, em parceria com a consultoria Global Line, entrevistou funcionários de 145 empresas multinacionais com operações no Brasil e registrou que mais da metade (58%) dos profissionais está “muito confortável” com o home office. Além disso, apontou também os desafios de trabalhar remotamente, aparecendo a socialização em primeiro lugar (68%) e desenvolvimento de confiança em segundo lugar (33%). Os pesquisados indicaram ainda as melhorias necessárias para continuidade do trabalho remoto, as quatro mais citadas foram: segurança de dados (79%), comunicação efetiva (74%), maior foco em uma cultura humanizada e colaborativa (70%) e manter o engajamento dos trabalhadores (65%).
Não surpreende que a primeira indicação de melhoria seja a segurança de dados que, provavelmente, reflete as limitações de recursos com que as organizações tiveram que responder ao inusitado de uma pandemia. As demais melhorias sugeridas pelos pesquisados referem-se às temáticas de liderança e gestão de pessoas, reflexo de um cenário de crise que tende a evidenciar as forças e fraquezas da administração de cada um.
Algumas organizações já retornaram ou definiram o retorno para a modalidade presencial ou flexível/híbrida. No Vale do Silício, por exemplo, o Google retornará as atividades presenciais a partir de 1º de setembro; já a Amazon, quer retornar à cultura padrão centrada no escritório, pois acredita que trabalhar juntos contribui para a aprendizagem coletiva, a colaboração e a inovação. Quando estas empresas, que são referências em tecnologia, decidem priorizar o trabalho presencial ao home office é importante dar atenção e procurar entender os motivos.
A Amazon, ao justificar os motivos para o retorno ao trabalho presencial, expressa o valor que dá ao coletivo e as interações presenciais. Neste coletivo há a expressão dos afetos, medos, a confiança, a colaboração, a solidariedade, a competição, relações de poder, enfim, produtos da subjetividade e a intersubjetividade no trabalho.
As interações de confiança são resultado de vínculos psicoafetivos construídos no coletivo e contribuirão para um ambiente solidário e cooperativo, que é fundamental para a promoção da saúde mental no trabalho na perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho. Pois é por meio da mobilização subjetiva, da inteligência prática e da colaboração, que o trabalhador consegue transformar o seu sofrimento psíquico em sofrimento criativo, e obter o reconhecimento dos pares e superiores, contribuindo para sua autoestima e identidade, dando sentido e vivenciando o prazer no trabalho.
Os desafios de gestão, de liderança, de relações socioprofisionais, de promoção da saúde mental no trabalho e outros, se apresentam tanto no trabalho presencial quanto no virtual. No entanto, o trabalho virtual apresenta limitações reais pela ausência da presença física e tudo o que ela promove na comunicação, na construção dos vínculos psicoafetivos, no engajamento entre outros aspectos.
Portanto, as organizações que pretendem continuar em sistema de home office ou híbrido/flexível, principalmente quando “terminar a pandemia”, terão que planejar e promover ações que compensem ou minimizem as limitações do virtual. Esforçando para que todo o arsenal high tech não subestime o que há de mais rico e importante: o ser humano na sua inteireza!
*Ana Silvia Alves Borgo é psicóloga e professora do ISAE Escola de Negócios