Este artigo foi originalmente publicado na página do Pulse/LinkedIn do professor Rodrigo de Barros em 5 de fevereiro de 2020, sob o título “Welcome to the Machine: uma visão sobre a perda Criativa”. Você pode acessá-lo clicando aqui.
Você tem 3 anos de idade. Está descobrindo o mundo, tudo é uma fantasia, tudo é novo e sua imaginação faz viagens incríveis. Sua mente divaga, sua mente descobre, sua mente cria!
Você descobre cheiros, sons, imagens, sensações… Sua capacidade criativa é altíssima! Questões morais, religiosas, educacionais e de trabalho ainda não são uma realidade presente em seu dia-a-dia, então você vive de forma essencialmente criativa.
Sentindo o mundo pelo seu próprio sentir…
Você tem 6 anos de idade. Está na escola. Um mundo maravilhoso de novidades, de socialização. Faz amizades, é estimuladx à experiências sensoriais e atividades lúdicas. Continua exercitando sua criatividade. Porém… começa a ser submetidx à uma agenda comum à muitxs. Uma agenda com uma rotina comum a tantxs que ali estão com você e a tantxs outrxs que já estiveram ali como você está.
Nesta agenda você é uniformizadx. Nesta agenda, “pintar fora da linha” faz você ser advertidx e, quem sabe, até perder alguns pontos no boletim. Nesta agenda você aprecia a possibilidade de colorir um céu de chocolate, mas lhe dizem que isso é bobagem, que o céu é azul. Ponto.
Nesta agenda você adentra ao mundo das provas, testes, avaliações. Você adentra à corrida, à competição. Você e seus vinte colegas. Vinte pessoas diferentes, com mentes diferentes, com gostos diferentes, com fisiologia diferente, com personalidades diferentes são avaliadxs pelo mesmo instrumento. São balizadxs pela mesma régua. São massificadxs pelo mesmo sistema. Já não importa mais se você gosta mais de artes e não vai tão bem assim em matemática. Você precisa ir bem em matemática. O peso dela é maior no vestibular.
Ah, sim…. agora você está com 17 anos…
Agora você é obrigadx a escolher o que quer para sua vida e, em muitos casos, orgulhar a família por estampar os outdoors da cidade com sua excelente colocação na corrida, na competição. Você está em uma corrida, “não te disseram exatamente a hora da largada, mas você corre, corre”…
Parabéns. Sua colocação lhe permitiu o acesso à uma graduação. O tempo passou…
Agora você tem 21 anos.
Começa a trilhar uma carreira. Começa a cumprir com as exigências da “Máquina de Desempenho”.
A Máquina de Desempenho é a empresa, a corporação, a organização que opera por e para resultados. Que tem em sua natureza a repetição, a segurança, o velho “tem que ser assim”, “sempre foi assim”.
Neste cenário, eventualmente, o seu eu de 5 anos surge como uma voz em sua cabeça. Lhe dá dicas, conselhos, leveza. Você se anima. A visão criativa da sua criança interior, de alguma forma combina com a experiência que adquiriu na corrida. Então você tenta mudar as coisas. Sugere novas ideias. Mas… você está em uma Máquina de Desempenho e nela não há espaços para a incerteza. Você tenta uma, duas, três vezes…quinze. Cansa. E sua criança interior prefere dormir do que cansar à toa.
A Máquina de Desempenho continua operando. Você continua operando. A simbiose foi extrapolada e algo aconteceu: Você é a máquina.
Então: bem-vindx à Máquina!
Ou melhor: bem-vindx, Máquina!
Sua missão? Inovar.
Conclusão: não há espaço genuíno para a criatividade quando muitas pessoas fazem a mesma coisa. Quando muitas pessoas comportam-se muito parecido. Quando a maioria das pessoas vão para a mesma corrida.
A criatividade tem origem na diversidade. É naturalmente contrária à massificação. Para falarmos sobre Cultura de Inovação, precisamos falar de resgate criativo. Para falar de resgate criativo, precisamos falar de educação e sociedade. Para falarmos sobre isso precisamos entender de gente.
Criatividade é do ser humano. Humanos (ainda) não são máquinas, mas tornam-se uma em algum momento da vida…